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Auditoria Especializada em Condomínios e Associações Residenciais

Fundos de Reserva: Uma proteção contra crises

fundos de reserva

Pense em como os fundos de reserva podem ajudar. Vamos falar sobre isso?

Muitos momentos de crise fazem parte da história do mundo. Basta fazer uma breve reflexão para perceber que não é exagero. Veja alguns exemplos: 

Em 2008 os EUA sofreram a maior crise financeira desde os anos 30 (outro momento de crise), devido ao estouro da bolha imobiliária atrelada aos títulos subprime. O governo americano criou um programa de resgate financeiro para empresas no valor de US$ 700 bilhões e outro de US$ 787 bilhões para revitalizar a economia. Sem dizer que essa crise afetou a economia mundial, quebrou bancos, empresas, países e teve outros impactos relevantes no mundo.  

Entre 2014 e 2016 o Brasil enfrentou a pior recessão da sua história e ainda estamos sofrendo as consequências com mais de 12 milhões de pessoas desempregadas.

No mês de janeiro, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), entidade baseada na Suíça considerada o “banco central dos bancos centrais”, divulgou um documento no qual alerta que as mudanças climáticas podem ser o motivo de uma nova crise financeira global. 

Atualmente, estamos vivendo uma pandemia que, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), é o maior desafio da humanidade desde a 2ª Guerra Mundial (outra reconhecida crise) e depois dela o planeta não será mais o mesmo.

As crises recentes têm mostrado que o mundo ficou pequeno, por exemplo, a crise financeira mundial de 2008 começou nos EUA com a quebra do Banco Lehman Brothers, tenho quase certeza que você, leitor, não tinha dinheiro no local, mas certamente foi afetado pela crise do banco. A China fica a mais de 16 mil quilômetros do Brasil, ou seja do outro lado do planeta, mas não ficamos imunes à contaminação do coronavírus, acredito que você, assim como eu, está de quarentena, certo?

Outro ponto a ser considerado, é que crises revertem cenários econômicos positivos rapidamente. Os EUA começaram o ano com uma taxa de desemprego em torno de 4%, na linguagem dos economistas uma situação de “pleno emprego”. Porém, devido a pandemia, somente no mês passado foram fechadas 701 mil vagas e há previsão de mais cortes. No Brasil, a perspectiva de crescimento para 2020, no começo do ano, era de mais de 2%, mas, devido aos efeitos da pandemia, já se fala em uma variação negativa do PIB.

Todos são afetados pelos efeitos das crises do mundo globalizado. Embora os condomínios sejam comunidades fechadas, não são ilhas imunes aos problemas.

O que as considerações acima têm a ver com o Fundo de Reserva dos condomínios? Explicarei nos próximos tópicos. 

PARA QUE SERVE O FUNDOS DE RESERVA?

Em linhas gerais, o Fundo de Reserva tem como principal função garantir a continuidade e o bom funcionamento do condomínio em casos de despesas imprevistas e emergenciais, ele também pode ser utilizado para investimentos futuros no condomínio. Será que a crise decorrente da pandemia que estamos vivenciando não é uma situação imprevista e emergencial?

Será que diante dos cenários de crises que vivemos, e ainda vamos viver, não é o momento de repensar a utilização do Fundo de Reserva pensando também no condômino? 

Talvez muitos dirão que não faz sentido a indagação do parágrafo anterior, visto que pensar no condomínio é o mesmo que pensar nos condôminos, uma vez que o serviço prestado por um é para o benefício do outro, mas não é bem assim. Em cada unidade a realidade é diferente e nem sempre a inadimplência de um condômino se dá por má fé, mas por dificuldades financeiras decorrentes do cenário de crise. 

Para ter um parâmetro, conforme dados de 2019 do IBGE, a maior parte dos desempregados brasileiros leva até 1 ano para arrumar um emprego, mas as dívidas, inclusive a cota condominial, não param de chegar durante o período. 

Então, como repensar o Fundo de Reserva para proteger os condôminos contra crises? 

COMO REPENSAR O FUNDOS DE RESERVA PARA MOMENTOS DE CRISE

Tenho lido opiniões de especialistas do segmento que defendem que a cota condominial não deve ser suspensa para utilização do Fundo de Reserva num período determinado durante a pandemia, por se tratar de valor correspondente ao rateio das despesas. Porém, após reflexão sobre o cenário da situação no qual que estamos vivendo, pergunto-me: Por que não? 

Diversos governos, empresas e outras organizações estão tomando ações fora do comum para enfrentar a pandemia. Por que para os condomínios a situação é diferente? Usarei a seguir dois exemplos para ajudar no raciocínio.

Para combater a pandemia do coronavírus, o governo americano aprovou um pacote de estímulo à economia no valor de US$ 2 trilhões, sendo que, cerca de US$ 500 bilhões serão destinados aos milhões de famílias americanas, que receberão entre US$ 1.200 a US$ 3.000. Entre as ações do governo brasileiro, foi aprovado uma ajuda financeira de R$ 600 a R$ 1.200 para a população de baixa renda durante 3 meses. Nesses dois casos, os governos não estão dando dinheiro para população, mas devolvendo parte dos impostos para a sociedade numa situação de crise. 

Usando os exemplos acima, e nas suas devidas proporções, por que o Fundo de Reserva de um condomínio não poderia ser usado para ajudar os condôminos nesse momento para aliviar a pressão do pagamento da cota condominial? Fazer isso não seria um favor, visto que o Fundo de Reserva é dinheiro arrecadado junto aos condôminos. 

Durante a pandemia, é provável que a operação da maioria dos condomínios continue sem muitos impactos, porque o déficit da conta ordinária, ocasionado pelo aumento da inadimplência, provavelmente, seja financiado pelo Fundo de Reserva. 

No modelo atual, o foco é o condomínio e ele não leva em consideração que no final haverá condôminos, que devido aos impactos na economia, ficarão com uma conta relevante de cotas vencidas para pagar. Acredite, até os bons pagadores poderão ingressar na lista de inadimplentes. Por isso, como auditor, recomendo que num cenário de crise as pessoas sejam priorizadas.

COMO O FUNDO DE RESERVA PODE SER USADO NO CENÁRIO DE CRISE

Não tenho dúvidas que alguns criticarão esse artigo pela proposta da utilização do Fundo de Reserva de uma maneira incomum. Mas momentos de crise  surgem para reavaliarmos algumas “verdades absolutas”, processos e modelos estabelecidos, reflexões e novas oportunidades, concorda?

Imagine o seguinte cenário: ainda não está claro quanto tempo essa pandemia afetará a economia brasileira, mas vamos estimar 3 meses. Um condomínio possui um Fundo de Reserva com saldo correspondente ao mesmo período. 

Após a avaliação, síndico e conselho aprovam a suspensão da cobrança da cota condominial durante 2 meses, deixando a operação do condomínio acontecendo normalmente. Os condôminos não teriam a pressão do pagamento e isso reduziria a inadimplência. Além disso, ao final dos 2 meses, o condomínio contaria com um saldo considerável no Fundo de Reserva.

Na minha avaliação, essa ação estaria entre as mais importantes do ponto de vista econômico e social que um condomínio pode proporcionar aos seus moradores durante a pandemia ou em uma situação de crise, pois, o valor que seria destinado para cota condominial poderia ser utilizado para outras despesas básicas, como alimentação, saúde, vestuário, entre outras. Além disso, os moradores também se conscientizariam da importância da arrecadação do Fundo de Reserva. 

Alguns podem alegar que a proposta acima não tem amparo na Convenção do Condomínio, mas pense o seguinte: por causa da pandemia, diversas Assembleias Gerais Ordinárias (AGO) foram suspensas e quando forem realizadas, na maioria dos casos, serão fora do período determinado das convenções. Há também mandatos de síndicos que foram prorrogados, até hoje nunca encontrei uma Convenção que previa essa situação. Ou seja, estamos num cenário de crise completamente novo, por isso, ações incomuns estão sendo tomadas visando proteger o bem estar das pessoas.

Quando essa pandemia passar, as Convenções precisarão melhorar o capítulo que trata da utilização do Fundo de Reserva fazendo a inclusão dos cenários de crises. Visto que alterar uma Convenção não é tarefa fácil, a sugestão é que seja feita a aprovação em Assembleia sobre a suspensão da cobrança da cota condominial/ utilização do Fundo de Reserva em momentos de crise. Esse exercício precisa ter o envolvimento de síndico, conselho, administradora, jurídico e representante dos moradores. 

Mas para a aplicação do cenário proposto, o Fundo de Reserva precisa ser bem gerido no período da bonança.

A IMPORTÂNCIA DA BOA GESTÃO DO FUNDOS DE RESERVA

Já ouvi vários síndicos dizerem que não entendem muito de finanças e, na minha opinião, se não entende, precisam buscar conhecimento. Diante da complexidade cada vez maior na gestão de um condomínio, o síndico precisa saber gerir bem os recursos arrecadados.

Segue uma lista de recomendações para uma boa gestão do fundo de reserva:

  • Não suspender a arrecadação – Alguns especialistas do segmento condominial afirmam que o ideal é o condomínio possuir de 2 a 3 meses de arrecadação nos Fundos de Reserva, porém, isso é puro feeling. Quanto mais meses de arrecadação couber no Fundo de Reserva, mais o condomínio está preparado para despesas imprevistas e emergenciais;
  • A cota condominial não fica alta por causa do Fundo de Reserva. Há condomínios que suspendem a arrecadação do fundo para diminuir o valor, mas a questão não está na arrecadação do Fundo de Reserva e sim na gestão das despesas ordinárias, já que o fundo é um percentual do rateio ordinario; 
  • Investimentos – Em diversas Convenções há cláusulas que dizem que o Fundo de Reserva deve ser aplicado em investimentos conservadores. Mas isso não significa que “SÓ” deva ser aplicado na poupança. Atualmente, há opções de aplicações de riscos médio/baixo que trazem resultados melhores. Dependendo do valor a ser investido, o condomínio pode negociar menores taxas com o gerente do banco. Além disso, há Fintechs e gestores independentes, fiscalizados pelo Banco Central, que oferecem aplicações seguras sem a cobrança da taxa de administração ou cobrando um percentual bem pequeno comparado aos realizados pelos bancos tradicionais. Isso traz maior retorno para o investidor.
  • Não utilizar o Fundo de Reserva para obras – O Fundo de Reserva deve ser empregado para situações imprevistas e emergenciais, e agora, conforme proposto, para cenários de crises. Portanto, o condomínio deve fazer um rateio específico para obras e melhorias. 

O síndico precisa ser um bom gestor financeiro para preservar e acumular valor no Fundo de Reserva. 

COMO A AUDITORIA PODE AJUDAR NA GESTÃO DO FUNDOS DE RESERVA

 A auditoria é uma linha de defesa para identificar problemas e contribuir na mitigação de riscos. A figura de um auditor independente acompanhando a movimentação do Fundo de Reserva, contribui como um controle na gestão dos recursos arrecadados. 

Na Auditoria Mensal são verificadas as movimentações do Fundo de Reserva e se for identificado algo contrário ao que determina a Convenção ou as respectivas aprovações em assembleia, o auditor solicita formalmente uma explicação para o síndico, com o envolvimento do conselho. O ponto é documentado no relatório da auditoria para que os moradores tenham ciência da situação.

Dessa forma, o processo ganha mais transparência e segurança e pode inibir problemas e orientar a gestão do Fundo de Reserva.

CONCLUSÃO

As crises são inevitáveis e os condomínios não estão imunes a elas. Entretanto, os condomínios têm um instrumento valioso que pode ser usado para protegê-los contra as crises que são os Fundos de Reserva. Para isso, ele precisa ser reavaliado e adaptado aos cenários de crises não somente visando a instituição condominial, mas também a figura do condômino. 

Os síndicos precisam ter um bom conhecimento de finanças para fazer uma boa gestão do Fundo de Reserva e a auditoria pode ser uma linha de defesa, proporcionando mais transparência e segurança no controle da gestão dos Fundos de Reserva.

Marcos Braga

Contador formado pela Universidade Mackenzie. MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Membro do Instituto dos Auditores Independente do Brasil. Trabalhou 17 anos no Banco Itaú nas áreas de Contabilidade, Mercado de Capitais e Compliance. Proprietário da MB7 Auditoria, empresa especializada na auditoria de Condomínios e Associações Residenciais.

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